O Brasileiro na Arena Digital

O dia começa cedo para o brasileiro médio. No entanto, entre o café preto apressado, o ônibus lotado e a preocupação com o boleto que vence amanhã, uma vibração no bolso chama a atenção. Não é uma mensagem do chefe, tampouco um aviso do banco. Pelo contrário, é um vídeo de trinta segundos, com cortes rápidos e música dramática, que acusa um político de destruir a família ou outro de vender a pátria. Assim, antes mesmo de chegar ao trabalho, o sistema recruta esse cidadão, que apenas buscava sobreviver a mais um dia, para uma guerra invisível. Desse modo, insere-se o brasileiro na arena digital, tornando-o um soldado raso involuntário de uma batalha em telas de cinco polegadas, onde a verdade é a primeira baixa e a sua atenção, o espólio de guerra.

Atualmente, vivemos um momento singular na história da República. As trincheiras digitais substituíram a praça pública, antigo local de debate e escambo de ideias. Além disso, palanques físicos ou horários eleitorais engessados já não definem o cenário político brasileiro atual, mas sim a velocidade da fibra ótica. Consequentemente, para o trabalhador e contribuinte, que carrega o país nas costas, a política deixou de ser a ferramenta de gestão da polis para se tornar um reality show de suspense, terror e, não raramente, comédia de mau gosto. Nesse picadeiro, encontra-se o cidadão no coliseu virtual, cercado pelo populismo 2.0, que os algoritmos anabolizam constantemente.

A Ditadura do Algoritmo e a Morte da Nuance

Infelizmente, a primeira vítima dessa nova era é a complexidade. Embora problemas reais do Brasil — como a carga tributária kafkiana, o saneamento básico deficiente e a educação estagnada — exijam soluções complexas, demoradas e impopulares, o algoritmo das redes sociais detesta a complexidade. Sobretudo, ele premia o choque, o ódio e a simplificação grosseira. O político populista, independentemente do espectro, entendeu isso perfeitamente. Portanto, ele não precisa apresentar um projeto de lei robusto; precisa apenas “lacrar” ou “mitar” em um vídeo de um minuto.

Para o brasileiro que trabalha oito horas por dia, essa simplificação soa sedutora, mas age como veneno. Visto que ele não tem tempo para ler duzentas páginas de um relatório econômico, o vídeo curto que oferece um culpado simples para todos os seus problemas funciona como um analgésico rápido. Contudo, o problema reside no fato de que essa “fast-food política” nutre apenas a raiva, o que deixa o intelecto faminto e a realidade intocada.

A Indústria da Indignação Instantânea

Nesse ecossistema, a indignação tornou-se a moeda mais valiosa. De fato, movimentos populistas modernos operam sob a lógica da crise permanente. Por exemplo, se não há um escândalo real, fabricam um. Além do mais, pouco importa o dado técnico sobre o crescimento ou queda do PIB; o que vale é a narrativa emocional que criam sobre ele para gerar engajamento. Assim, esse eleitor no campo de batalha online, que paga impostos em tudo que consome, vê seu dinheiro financiar máquinas de comunicação focadas não em prestar contas, mas em manter a base eleitoral em estado de alerta constante.

Como resultado, temos uma sociedade exausta. “Ameaças urgentes” bombardeiam o brasileiro a cada hora. Ora dizem que a democracia vai acabar amanhã, ora afirmam que extinguirão a liberdade na sexta-feira. Essa histeria fabricada gera, portanto, uma cortina de fumaça espessa. Enquanto brigamos nos comentários do Instagram sobre uma frase infeliz dita em um podcast, simultaneamente deixamos passar reformas administrativas essenciais ou aumentos silenciosos de privilégios no funcionalismo público. A indignação, enfim, nos cega para o que realmente afeta nosso bolso.

O Labirinto das Fake News e a Erosão da Confiança

Ademais, a desinformação deixou de ser um acidente de percurso para se tornar estratégia de campanha e governo. Tal fenômeno não é exclusivo de um lado. A mentira, ou a meia-verdade manipulada, viaja seis vezes mais rápido que o desmentido. Para o cidadão comum, distinguir o fato da ficção tornou-se um trabalho hercúleo. Ele recebe uma “notícia” no grupo da família, validada pelo tio em quem confia, que por sua vez a recebeu de um grupo de “patriotas” ou “companheiros”. Dessa forma, exploram a cadeia de confiança para disseminar pânico.

Todavia, o efeito colateral mais perverso disso é o cinismo generalizado. Quando tudo pode ser fake news, nada mais é verdadeiramente confiável. Taxam o jornalismo profissional de militante, os órgãos oficiais de mentirosos e a ciência de comprada. Consequentemente, o trabalhador fica à deriva, sem uma bússola moral ou factual, e agarra-se àquilo que confirma seus preconceitos prévios. Ele se fecha em bolhas onde moldam a realidade ao gosto do freguês, o que cria universos paralelos onde o diálogo se torna impossível.

O Populista como Salvador da Pátria

Diante desse cenário de caos informacional, surge a figura messiânica do líder populista. Ele se apresenta não como um gestor público, mas como um pai severo ou um vingador dos oprimidos. Ele usa as redes sociais para falar “direto com o povo”, pulando as instituições, a imprensa e os freios e contrapesos da democracia. Essa relação direta, intermediada apenas pela tela do celular, cria uma intimidade artificial. O eleitor sente, então, que o político é seu amigo, seu defensor. Assim, posiciona-se a nação no ringue cibernético, pronta para defender seu ídolo.

Certamente, essa personalização extrema da política representa um desastre para o contribuinte. Passamos a defender políticos da mesma forma que defendemos times de futebol. Por isso, perdoamos incompetência, corrupção e má gestão porque acreditamos que “o outro lado é pior”. O debate sobre eficiência do gasto público morre quando a lealdade à pessoa supera a lealdade aos fatos. O populista sabe disso e alimenta essa fogueira, pois, enquanto houver idolatria, não haverá cobrança por resultados práticos.

O Custo do Bilhete para o Circo

Finalmente, ao final do dia, quando a bateria do celular acaba e a tela escurece, a realidade se impõe. O buraco na rua continua lá. A fila do SUS não diminuiu com o meme engraçado. Além disso, a escola do filho continua sem ar-condicionado, e o preço do supermercado permanece alto. A “Guerra Cultural” travada nas redes sociais não colocou comida na mesa, tampouco trouxe segurança para o bairro.

Em suma, o brasileiro médio precisa perceber que ele financia involuntariamente esse espetáculo. Embora a polarização radical e a desinformação gerem lucros para as plataformas de tecnologia e votos para os populistas, elas representam apenas prejuízo para a nação. O verdadeiro ato revolucionário hoje não é compartilhar uma hashtag agressiva, mas sim ter a ousadia de desligar a notificação, duvidar do herói da vez e exigir, com a frieza de quem paga a conta, que a política volte a ser sobre gestão, e não sobre entretenimento. Enquanto tratarmos a política como torcida organizada, continuaremos sendo a plateia pagante de um circo que pega fogo — e somos nós quem queimamos.


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